sábado, 29 de agosto de 2015

A IGNORÂNCIA DO DIVERSO E O “DEMASIADAMENTE HUMANO”

O célebre filósofo existencialista francês, Jean-Paul Sartre, disse alhures que “o inferno são os outros". Isto foi dito num sentido em que as outras pessoas são fontes permanentes de contingências. Onde as escolhas pessoais levam à transformações do mundo para os envolvidos, permitindo que seus projetos de vida sejam adaptados conforme as escolhas e decisões que estão sendo tomadas. Como cada pessoa, em tese, tem um projeto diferente, isso faz com que elas entrem em conflito sempre que seus projetos se sobreponham. Nesse sentido, cada decisão carrega consigo a obrigação de responder pelos próprios atos; um encargo que torna homens e mulheres, absolutamente responsáveis pelas consequências de suas escolhas, para si, e para o outro; no sentido de que cada uma delas provoca mudanças que não podem ser desfeitas, ou, retornadas à condição imediatamente anterior ao ato que as produziu. Perante suas escolhas, o homem não apenas torna-se responsável por si, mas também por toda a humanidade. De fato, as pessoas embora não tenham acesso às consciências alheias, podem reconhecer/perceber nos outros o que têm de igual e/ou diferente; e, estes processos de alteridade e similarização são importantes, na medida em que as próprias identidades, direitos, ações políticas; enfim, a própria cidadania com que o indivíduo se vê investido é construída a partir dessas interações sociais de reconhecimento e alteridade para com o outro. Por outro lado, podemos dizer que individualmente, não temos acesso à um algo do tipo essência própria; “não há um “eu” originário descolado dos outros, da realidade; enfim, do que ... [nos] constitui como humanos e como possibilidade de diferenciação.” Somos por assim dizer, a representação de nossas próprias relações sociais - cuidadosamente selecionadas por nossas consciências em face da significância sócio-histórica e cultural dos fatos -, individualmente encarnadas no sujeito que se apresenta frente ao mundo que o interpela. Um continuo "tornar-mos", um "vir-a-ser" que nunca se completa; e, essa incompletude, é ela mesma a base da perplexidade que nos move ao desvelamento do mundo, que não é, “mas está sendo”. Todo homem do ponto de vista de sua convivência em sociedade, interdepende dos outros sujeitos; mas, do ponto de vista do urbano em si, ele termina por interagir de forma intensa e objetiva com outros indivíduos; negando, todavia, subjetivamente, a efetividade dessa interação, em face de sua condição blasé de estar nesse “mundo urbano”; o que torna esse mesmo sujeito no mínimo, “um tanto quanto”, displicente em relação ao outro. Falando sobre “A ignorância do diverso”, Muniz Sodré diz que “o preconceito é sempre um saber automático sobre o outro; (...) não precisa de provas”. Você vê a aparência, você vê o outro e não aceita, e num julgamento falho e raso, pensa que sabe tudo sobre a pessoa. E então, segue-se a discriminação, pelo fato de ignorarmos não apenas intelectualmente o outro, mas afetivamente. A exclusão se consolida como meio mais fácil por não sabemos lidar com a diferença; com o outro. A questão é: por quê? A respeito disso podemos dizer que a parte substancial do problema tem inicio a partir da “pretensão metafísica, de se ocupar pela força as regiões mais férteis da vida intelectual e prática dos homens”, ou seja; as regiões dos princípios, das causas; principalmente, pelos grandes discursos mítico-religiosos e políticos do ocidente. Como bem cita Nietzsche em seu ‘Menschliches, Allzumenschliches: Ein Buch für freie Geister’: "Quanto menos os homens estiverem condicionados pela origem, tanto maior será o movimento interior de seus motivos, tanto maior por sua vez, em decorrência, a agitação exterior, o envolvimento dos homens entre si, a polifonia de seus esforços." Conhecer uma causa não é necessariamente estabelecer uma relação de poder; mas, “toda relação de poder se assenta num conhecimento de causa e na pretensão de enunciar-se uma verdade absoluta sobre o outro”; e, essa “pretensão de deter uma verdade absoluta é a fonte de toda violência”. Na ética prática da vida, a “verdade não violenta” acontece, quando se dá o “infinitamente diverso”; quando se reconhece na prática a diversidade humana como uma constante em todo o empenho de realização do homem. A diversidade é ela mesma a “verdade do real concreto.” Distinguir uma pessoa da outra, não é o mesmo que conhecer as diferenças que nos faz especiais, e nos torna, necessários e imprescindíveis ao todo. Concluindo, ainda que provisoriamente, se por um lado "o inferno são os outros", e por muitas vezes sejam estes mesmos “outros” que impossibilitem a concretização de nossos projetos pessoais e coletivos, não podemos prescindir da convivência com a diversidade, sob pena de nossos próprios objetivos, perderem o sentido, e por fim nos desumanizarmos. ----------------------------------------- .... -------------------------------------------- BIBLIOGRAFIA - GOMES, W.T. “A Educação e a formação Humana: Do capita humanos as inovações tecnológicas – quando “o inferno são os outros”. Trabalho apresentado no V Seminário Internacional, As Redes de Conhecimentos e as Tecnologias – Os Outros como legítimo OUTRO”; de 01 a 04 de Junho de 2009, UERJ/PROPED. Site: http://www.lab-eduimagem.pro.br - Eixo - Currículos, Sujeitos, Conhecimento e Cultura; 04/06/2009. ---------------------------------- xx ------------------------------------------------------- OBS: Esta breve introdução é uma parte adaptada de um trabalho maior que apresentei e foi publicado nos anais do Seminário acima citado em GOMES (2009) e qualquer uso deve preservar e conter a citação autoral relativa ao autor.

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